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Miguel de Cervantes 1 - o maior Expoente da Literatura Hispânica

Atualizado: 12 de ago.


Dom Quixote de La Mancha, o primeiro romance moderno da história ocidental


Miguel de Cervantes Saavedra foi um romancista, poeta e dramaturgo espanhol, o maior expoente da literatura hispânica e um dos maiores autores da literatura universal. O Engenhoso Cavalheiro Dom Quixote de La Mancha, publicado em 1605, é sua obra mais famosa e considerada o primeiro romance moderno da história ocidental.


A literatura de Cervantes insere-se na chamada Idade de Ouro Espanhola (séculos XVI-XVII), momento de esplendor da literatura hispânica, e inclui romances longos e curtos, poemas e peças dramatúrgicas. A importância e a singularidade de seu trabalho foram tais que muitas vezes lhe é atribuído o título de “príncipe da inteligência”.


Miguel de Cervantes foi soldado, prisioneiro, cobrador de impostos, escritor de sucesso, mas poucas informações documentais sobre seus primeiros anos de vida foram preservadas, criando grandes lacunas que nunca vieram a ser preenchidas.

Como soldado, participou na luta das potências católicas europeias contra o Império Otomano durante o século XVI.



O nascimento e a ascendência de Miguel de Cervantes é fonte de investigação e debate. Conservam-se documentos religiosos da época e escritos do próprio autor, mas há muitas dúvidas sobre onde e quando exatamente ele nasceu, e em que contexto socioeconômico familiar. A opinião da maioria diz que ele nasceu em 29 de setembro de 1547 em Alcalá de Henares, cidade perto de Madrid e que foi batizado em 9 de outubro de 1547, na igreja de Santa Maria la Mayor, em Alcalá.

 

A história da família começa com Juan de Cervantes (n. 1490), avô do autor, advogado que outrora administrou as propriedades do Duque de Osuna, e mais tarde residiu em Córdoba, onde morreu por volta de 1555. Miguel Foi o terceiro dos cinco filhos vivos do casamento de Rodrigo de Cervantes com Leonor de Cortinas. Além de Miguel de Cervantes, o casal teve outros seis filhos: Andrés, Andrea, Luisa, Rodrigo, Magdalena e Juan.

 

Miguel de Cervantes lutou para se manter financeiramente durante quase toda a vida. Seu pai, Rodrigo, surdo de nascença, trabalhava como cirurgião, um ofício humilde na época. Embora por vezes se afirme que o autor tinha origem aristocrática, segundo o jornalista e cervantista espanhol Ramón León Máinez (1846-1917), a família de Cervantes pertencia a uma linhagem nobre mas arruinada.


As dificuldades econômicas ocorriam com frequência na casa dos Cervantes. Impelido pela necessidade, seu pai iniciou uma contínua peregrinação. Há indícios de que Rodrigo de Cervantes residiu em Valladolid (1554), em Madrid (1561), em Sevilha (1564-1565) e em Madrid (a partir de 1566). Lamentavelmente, só encontrou acusações por dívidas que acabaram por levá-lo à cadeia.



Início da vida de Cervantes


Quaisquer que fossem as condições financeiras de sua família, Miguel de Cervantes era um leitor ávido quando criança, uma habilidade que teria sido ensinada por um parente. Mas se ele teve muita educação formal tem sido um assunto de debate entre os estudiosos. Com base em análises da obra posterior de Cervantes, alguns acreditam que ele pode ter sido ensinado pelos jesuítas, porém, outros contestam essa afirmação.


A sua educação ocorreu na sua cidade natal e não em Madrid ou Salamanca, para onde os nobres costumavam enviar os filhos para serem educados. Porém, não se sabe ao certo onde e até que ponto Cervantes estudou, mas sabe-se que não se formou na Universidade. Em 1563 a família foi morar em Sevilha, onde ele estudou gramática e latim com padres jesuítas.


Nessa época conheceu o teatro de Lope de la Rueda, de quem recebeu influência. Por volta de 1564, Rodrigo de Cervantes radicou-se em Sevilha, como administrador de casas de aluguer. Acredita-se que o jovem Miguel de Cervantes tenha frequentado as aulas do colégio dos jesuítas, até que, em 1566, uma nova mudança levou a família para Madrid.


O professor de Gramática Juan López de Hoyos, um mestre-escola madrilenho e reitor do Estudio de La Villa, que, em 1569, publicou uma obra comemorativa da terceira esposa de Filipe II, Isabel de Valois, falecida a 3 de outubro de 1568. Intitulado "Historia y relación verdadera de la enfermedad, felicisimo trânsito y sumptuosas exequias fúnebres de la Serenisima Reyna de Españia Doña Isabel de Valoys", a obra contém seis contribuições de Cervantes: um soneto, quatro redondillas e uma elegia. Lopez de Hoyos apresenta Miguel de Cervantes como “nosso querido e amado aluno”, e a elegia é dedicada ao Cardeal Espinosa “em nome de toda a escola”.


Segundo alguns estudiosos, esses poemas constituem as primeiras obras de Cervantes e uma demonstração do enorme talento que ele já manifestava desde muito jovem. Deduziu-se que Cervantes foi educado por López de Hoyos, mas isso é insustentável, pois a escola de López de Hoyos só foi aberta em 1567. Sabe-se também que era fã de teatro e que assistiu a inúmeras peças de Lope de Rueda (1505- c.1565).

 

Em 13 de outubro de 1568, Giulio Acquaviva chegou a Madrid encarregado de uma missão especial a Filipe II. Partiu para Roma no dia 2 de dezembro e Cervantes supostamente o acompanhou. Em 1569, surge a primeira das grandes incógnitas que marcaram a trajetória de vida de Miguel de Cervantes. Quando parecia que iniciava uma promissora carreira literária, e sem que se conheçam os motivos, viajou até Roma para exercer as funções de camareiro do cardeal Giulio Acquaviva.


Essa hipótese baseia-se unicamente numa passagem da dedicatória da Galatea, onde o escritor fala de ter sido “camareiro do Cardeal Acquaviva em Roma”.

Existe um mandado de 15 de setembro de 1569 para a prisão de um certo Miguel de Cervantes, que feriu Antonio de Sigura, e foi condenado à revelia a ter a mão direita decepada e a ser exilado da capital por dez anos. Nenhuma evidência está disponível. Tudo o que se sabe com certeza é que Miguel de Cervantes esteve em Roma no final de 1569, pois no dia 22 de dezembro do mesmo ano o fato foi registrado numa informação oficial apresentada por Rodrigo de Cervantes com o objetivo de provar a legitimidade e integridade do seu filho.


Não há, contudo, razão para pensar que Cervantes conheceu Acquaviva em Madrid; a probabilidade é que se tenha alistado como supranumerário no final de 1568, que tenha servido na Itália e entrado na casa de Acquaviva, elevado ao cardinalato em 17 de maio de 1570.


Na Itália, Cervantes passou algum tempo a serviço do Cardeal Acquaviva e acompanhou-o nas suas viagens a Roma, Palermo, Milão, Florença, Veneza, Parma e Ferrara. Ali o jovem autor conheceu a obra de Ludovico Ariosto (1474-1553), especialmente seus poemas de cavalaria, dos quais se inspirou muito mais tarde para escrever Dom Quixote.


A vida Militar de Miguel de Cervantes


Se é difícil dizer com precisão quando Cervantes esteve ao serviço de Acquaviva, não é menos difícil dizer quando o deixou para ingressar no exército regular. Em 1570, Cervantes abandonou o emprego de camareiro e alistou-se como soldado no regimento espanhol de Nápoles, que na época pertencia à coroa espanhola.


Em 1571 Cervantes servia como soldado raso na companhia comandada pelo Capitão Diego de Urbina que fazia parte do famoso regimento de Miguel de Moncada, e a 16 de Setembro partiu de Messina a bordo do navio Marquesa, que fazia parte da armada liderada por Don Juan da Áustria (c. 1547-1578).



A Participação de Cervantes na Batalha de Lepanto


Em 1571, Cervantes participou da Batalha Naval de Lepanto, na Grécia, organizada pela Santa Liga, para combater os turcos no Mediterrâneo. A Santa Liga era formada pela República de Veneza, o Reino da Espanha (na época do rei Filipe II), Cavaleiros de Malta e os Estados Pontifícios. A Liga Santa saiu vitoriosa, o que representou o fim da expansão islâmica no Mediterrâneo.


Quando a frota entrou em ação, Cervantes estava deitado, doente e com febre. Apesar dos protestos de seus camaradas, ele insistiu veementemente em se levantar para participar da luta e foi colocado com doze homens sob seu comando em um barco ao lado da galera. Ele recebeu três ferimentos a bala, dois no peito e um que mutilou permanentemente sua mão esquerda, "para maior glória da direita", em suas próprias palavras. Uma ferida da qual sempre se mostrou orgulhoso e que lhe valeu, como se fosse uma medalha, a alcunha de o “maneta de Lepanto”.


No dia 30 de outubro a frota regressou a Messina, onde Cervantes foi internado e durante a sua convalescença recebeu subvenções no valor de oitenta e dois ducados. Em 29 de abril de 1572 foi transferido para a companhia do capitão Manuel Ponce de León no regimento de Lope de Figueroa.


Miguel de Cervantes participou do combate naval ao Largo de Navarino em 7 de outubro de 1572; na captura de Túnis em 10 de outubro de 1573 e na expedição malsucedida para socorrer a Goletta no outono de 1574. Passou o resto do serviço militar na guarnição em Palermo e Nápoles.


Don Juan chegou em Nápoles em 18 de junho de 1575 e logo após concedeu-lhe licença de retorno à Espanha com uma carta de recomendação para para Filipe II, além de um depoimento semelhante do Duque de Sessa, vice-rei da Sicília. Com essas credenciais, Cervantes embarcou na galera “Sol” para promover a sua reivindicação de promoção em Espanha.


Captura, Escravidão, Resgate e Libertação


No dia 26 de setembro de 1575, perto de Les Trois Maries, na costa de Marselha, durante a viagem de regresso a Espanha, a galera Sol em que viajavam Cervantes e o seu irmão Rodrigo, e os seus navios companheiros,  “Mendoza” e  “Higuera”,  foi interceptada por uma flotilha turca, comandada pelo corsário albanês Arnaut Mami, e a sua tripulação levada como prisioneira para Argel. Como Cervantes tinha em seu poder diversas cartas de recomendação de Dom Juan da Áustria, os turcos pensaram que ele era um cidadão ilustre e pediram quinhentas coroas de ouro pela sua libertação.


As Tentativas de Fuga de Miguel de Cervantes


Cervantes tentou escapar sem sucesso em quatro ocasiões. Sua família conseguiu pagar pela libertação de seu irmão Rodrigo, que retornou à Europa com o plano de libertar seu irmão mais velho e outros quatorze prisioneiros. Infelizmente, o plano não se concretizou.


Com coragem e persistência ele organizou planos de fuga. Em 1576, enviou uma carta implorando a ajuda de Dom Martín de Córdoba, governador de Oram. Cervantes induziu um mouro a guiar a ele e a outros cativos cristãos para Oram; o mouro os abandonou na estrada e os perplexos fugitivos voltaram para Argel. Cervantes foi tratado com severidade. Ele se declarou como único responsável pelo plano e foi condenado a receber dois mil açoites, mas a punição não foi aplicada.


Uma nova tentativa de fuga não passou de um projeto e conduziu-o à presença de Hassan Pasha, vice-rei de Argel. Impressionado com o comportamento heroico do prisioneiro, Hassan remeteu a sentença e, por quinhentas coroas, comprou Cervantes de Dali Mami. Cervantes endereçou ao secretário de Estado espanhol, Mateo Vázquez, uma carta versificada sugerindo que uma expedição deveria ser preparada para tomar Argel, mas o projeto não foi aprovado.



Participação da Família de Cervantes para a sua Libertação


Em março de 1578, seu pai apresentou uma petição ao rei expondo os serviços de Cervantes; o Duque de Sessa repetiu o seu testemunho dos méritos do cativo. Na primavera de 1579, a mãe de Cervantes solicitou licença para exportar mercadorias no valor de dois mil ducados de Valência para Argel e, em 31 de julho de 1579, deu aos monges trinitários Juan Gil e Antón de la Bella uma quantia de dois mil cento e cinquenta ducados para o resgate de seu filho.


No final de 1579, Cervantes conseguiu uma fragata; mas a trama foi revelada a Hassan por Juan Blanco de Paz, um monge dominicano, que parece ter concebido um ódio inexplicável por Cervantes. Mais uma vez a vida do conspirador foi poupada por Hassan que, segundo consta, declarou que “enquanto mantivesse o espanhol mutilado sob custódia, os seus cristãos, navios e cidade estariam seguros”.


Pagamento do Resgate de Miguel de Cervantes

 

Finalmente, em setembro de 1580, o resgate de Cervantes foi pago pelo Frei Juan Gil, que arrecadou dos mercadores cristãos. Juntamente com outros cativos espanhóis, Cervantes regressou a Espanha em outubro daquele ano. Ele já estava embarcado para Constantinopla quando o dinheiro foi pago em 29 de maio ou 19 de setembro de 1580.


Os dois trinitarianos chegaram a Argel quase na última hora pois o mandato de Hassan estava vencendo e o acordo de qualquer resgate era um processo lento, envolvendo muita negociação. Hassan recusou-se a aceitar menos de quinhentos ducados de ouro pelo seu escravo. Os fundos disponíveis ficaram aquém deste montante e o saldo foi recolhido dos comerciantes cristãos de Argel.


No dia 27 de outubro, ele desembarcou em Dénia (Alicante) e em novembro seguiu para Madrid. Assinou uma declaração perante um notário daquela cidade em 18 de dezembro de 1580. Seu cativeiro tinha durado cinco anos e um mês e foi perpetuado na sua obra Los baños de Argel e no relato O prisioneiro, incluído no Dom Quixote de la Mancha. O primeiro uso que fez de sua liberdade foi solicitar declarações juramentadas de seus procedimentos em Argel.

 

Essas datas provam que não pode, como muitas vezes se alega, ter servido sob o comando de Alva na campanha portuguesa de 1580. Essa campanha terminou com a Batalha de Alcântara em 25 de Agosto de 1580. Parece certo, no entanto, que visitou Portugal pouco depois de seu retorno de Argel e, em maio de 1581, foi enviado de Thomar em missão a Oram.



Tudo indica que, de regresso a Espanha, Cervantes estivesse confiante de que os seus méritos militares o recompensariam com um cargo público, mas não foi isso que aconteceu. Existe apenas evidências de que, em 1581, foi a Oram, em missão desconhecida e em seguida a Lisboa para dar contas da mesma ao governo de Filipe II.


No mesmo ano, após uma estadia com a família em Madrid, Cervantes foi para Portugal, onde se situava a corte do Rei Filipe II, com a intenção de reconstruir a sua vida e eventualmente pagar a dívida contraída pela sua família. Ele até se candidatou a um emprego nas Índias Ocidentais no ano seguinte, mas não foi aprovado.

 

As histórias da sua residência em Portugal e dos seus casos amorosos com uma nobre senhora portuguesa que lhe deu uma filha são simples invenções. De 1582-3 a 1587, Cervantes parece ter escrito copiosamente para o palco, e na Adjunta al Parnaso menciona várias de suas peças como “dignas de elogio”; foram Los Tratos de Argel (Os Tratados de Argel), La Numancia (A Numancia), La Gran Turquesa (A Grande Turquesa), La Batalla Naval (A Batalha Naval), La Jerusalem (A Jerusalém), La Amaranta o La de Mayo (A Amaranta ou a de Maio), El Bosque Amoroso (O Bosque Amoroso) y La Unica y Bizarra Ársinda (A Única e Bizarra Ársinda).


Andaluzia, Sevilha, Valladolid


Embora não haja muita informação sobre o paradeiro de Cervantes entre 1582 e 1583, sabemos do seu caso amoroso com Ana Villafranca de Rojas, uma mulher casada com quem teve uma filha, Isabel de Saavedra. Em 1584, voltou à Espanha.


Em Madri, conseguiu um cargo público e começou a escrever La Galatea, uma novela pastoril e sua primeira obra literária importante, publicada em Alcalá de Henares em 1585. La Galatea era dividida em seis livros, dos quais Cervantes escreveu apenas a primeira parte. Estabeleceu contato com literatos da época como Luís de Gongora e Lope de Vega. Escreveu os poemas dramáticos Los Tratos de Argel e La Numancia.


Em 1584, casou-se com Catalina de Salazar y Palacios. Não foi um casamento feliz. Depois de dois anos, sem ter filhos, Miguel de Cervantes empreendeu uma série de extensas viagens pela Andaluzia. Finalmente, em 1588, decidiu estabelecer-se em Sevilha, longe da esposa, onde serviu como comissário real de abastecimentos. Era encarregado, pelo rei, como comissário de víveres destinados às armadas e frotas que seguiam para as Índias, indo morar em Sevilha.


As suas funções como comissário obrigaram-no a realizar tarefas desagradáveis ​​como a apreensão de óleos e cereais nas comunidades rurais. Quando muitos não quiseram fornecer os bens necessários, Cervantes foi acusado de má gestão e acabou na prisão.


Além disso, expuseram Cervantes a acusações de corrupção em 1592, das quais foi provada a sua inocência. Em 1597, ele passou um breve período na prisão, após a falência do banco onde depositava certas cobranças alfandegárias do reino de Granada. Foi durante esse período difícil que ele começou a escrever algumas das maiores obras-primas da literatura.


Mais tarde, Cervantes foi nomeado coletor de impostos devidos à Coroa dos reinos de Granada, o que o obrigava a viajar seguidamente para Andaluzia e La Mancha. Por causa dos atrasos na prestação de contas com a Coroa, Cervantes foi preso por três vezes. Contam alguns historiadores que a primeira parte de Dom Quixote foi escrito enquanto ele estava preso em Argamasilla del Alba, entre 1601 e 1603.


A fatalidade, entretanto, instalou-se no seio da sua família. Em 1593, morreu a sua mãe e, em 1600, faleceu também o seu irmão Rodrigo na Batalha das Dunas. Pouco tempo depois, em 1604, enquanto ultimava a redação do Dom Quixote, instalou-se em Valladolid com as suas irmãs Andrea e Magdalena, a sua filha Isabel e uma criada chamada María de Ceballos.


Interpretada literalmente, uma declaração formal dos seus serviços, assinada por Cervantes em 21 de maio de 1590, faz parecer que serviu nas campanhas dos Açores de 1582-83; mas a redação do documento não está clara, suas reivindicações confundem-se com as do seu irmão Rodrigo (que foi promovido a alferes nos Açores). Portanto, é duvidoso que tenha participado em alguma das expedições sob Santa Cruz.



Alguns biógrafos explicam que Miguel de Cervantes voltou à prisão entre 1602 e 1603, mas não há documentação que comprove isso. Também se discute se foi na prisão de Argel ou na prisão de Sevilha que Cervantes realmente teve as ideias daquilo que mais tarde se tornaria Dom Quixote. De qualquer forma, em 1604 ele despediu-se de Sevilha e mudou-se para Valladolid, onde viveu acompanhado da esposa, das irmãs, das sobrinhas e da filha natural.


Nenhuma gentileza desceu sobre a vida doméstica de Cervantes. Um incidente de esfaqueamento na rua em frente à casa de Valladolid, em junho de 1605, levou ridiculamente à prisão de toda a família. Mais tarde, quando seguiram o tribunal para Madrid, ele continuou a ser atormentado por litígios relacionados com dinheiro e agora, também, por dificuldades domésticas. A família morou em várias ruas nos anos seguintes antes de finalmente se estabelecer na Calle de León.


Publicações de Dom Quixote


Em julho ou agosto de 1604, Cervantes vendeu os direitos de El Ingenioso Hidalgo don Quijote de la Mancha (O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha), conhecido como Dom Quixote, Parte I. Ao editor-livreiro Francisco de Robles por uma quantia desconhecida . A licença para publicação foi concedida em setembro e o livro saiu em janeiro de 1605.


Há algumas evidências de que seu conteúdo era conhecido antes da publicação por, entre outros, Lope de Vega, cujas vicissitudes das relações com Cervantes estavam então em um ponto baixo. Sabe-se agora que os compositores da editora de Juan de la Cuesta em Madrid foram responsáveis por muitos erros no texto, muitos dos quais foram durante muito tempo atribuídos ao autor.


A venda dos direitos de publicação, no entanto, significou que Miguel de Cervantes não obteve mais lucro financeiro na Parte I do seu romance Dom Quixote. Ele tinha que fazer o melhor que pudesse com patrocínio. A dedicação ao jovem Duque de Béjar foi um erro. Teve mais sorte com duas pessoas muito mais influentes: o Conde de Lemos, a quem dedicaria a Parte II de Dom Quixote e nada menos que outras três obras, e Dom Bernardo de Sandoval y Rojas, arcebispo de Toledo.


Isso aliviou um pouco sua situação financeira. No entanto, é evidente que ele gostaria de ter um lugar mais seguro no panteão dos escritores do país do que alguma vez conseguiu durante a sua vida – queria uma reputação comparável à de Lope de Vega ou do poeta Luis de Góngora, por exemplo. Seu senso da própria posição marginal pode ser deduzido de seu Viage del Parnaso (1614), dois ou três dos prefácios posteriores e algumas fontes externas.


No entanto, o relativo sucesso, a ambição ainda insatisfeita e um desejo incansável de experimentar formas de ficção garantiram que, aos 57 anos, com menos de uma dúzia de anos restantes, ele estava entrando no período mais produtivo da sua carreira.


Como vários outros escritores da época, Miguel de Cervantes alimentava esperanças de uma nomeação como secretário do Conde de Lemos quando, em 1610, o conde foi nomeado Vice-rei de Nápoles; mais uma vez Cervantes ficou desapontado. Em 1609, ele ingressou em uma ordem religiosa da moda, os Escravos do Santíssimo Sacramento (Esclavos del Santísimo Sacramento), e quatro anos depois tornou-se franciscano terciário, o que era um compromisso mais sério.


Os estudiosos de Cervantes também sabem de um envolvimento crescente na vida literária da capital, por meio da sua frequência na Academia Selvaje, uma espécie de salão de escritores, em 1612. Não se sabe ao certo quando Cervantes começou a escrever a Parte II de Dom Quixote, mas ele provavelmente não tinha passado da metade no final de julho de 1614.


Por volta de setembro, uma parte II espúria foi publicada em Tarragona por alguém que se autodenominava Alonso Fernández de Avellaneda, um aragonês não identificado que era admirador de Lope de Vega. O livro tem mérito, embora seja grosseiro em comparação com seu modelo. No prólogo, o autor insultou gratuitamente Cervantes, que, não surpreendentemente, se ofendeu e respondeu, embora com relativa moderação se comparado com as injúrias de algumas rivalidades literárias da época. Ele também incorporou algumas críticas a Fernández de Avellaneda e seus “pseudo” Quixote e Sancho em sua própria ficção a partir do capítulo 59.


Dom Quixote, Parte II, saiu da mesma prensa que seu antecessor no final de 1615. Foi rapidamente reimpresso em Bruxelas e Valência, em 1616, e em Lisboa, em 1617. As Partes I e II apareceram pela primeira vez em uma edição em Barcelona em 1617. Houve uma tradução francesa da Parte II em 1618 e uma em inglês em 1620. A segunda parte de Dom Quixote capitaliza o potencial da primeira, desenvolvendo e diversificando sem sacrificar a familiaridade. A maioria das pessoas concorda que é mais rico e profundo.



Em seus últimos anos, Miguel de Cervantes mencionou várias obras que aparentemente não chegaram à imprensa, se é que ele realmente começou a escrevê-las. Houve Bernardo (o nome de um lendário herói épico espanhol), as Semanas del jardín (coleção de contos, talvez como o Decameron de Boccaccio), e a continuação de Galatea.


Seu último romance, Los trabajos de Persiles y Sigismunda, historia setentrional, foi publicado postumamente em 1617. Nele Cervantes procurou renovar o romance heroico de aventura e amor à maneira do Etiópicas, de Heliodoro. Era um gênero de prestígio intelectual destinado a fazer muito sucesso na França do século XVII. Pretendido tanto para edificar como para entreter, Persiles é uma obra ambiciosa que explora o potencial mítico e simbólico do romance. Fez muito sucesso quando apareceu; houve oito edições em espanhol em dois anos e traduções em francês e inglês em 1618 e 1619, respectivamente.

 

Os Últimos Anos de Miguel de Cervantes

 

Entre o aparecimento do primeiro e do segundo volumes de Dom Quixote, Cervantes publicou outras obras importantes, como os seus Romances Exemplares (1613), Viaje del Parnaso (1614) e Oito comédias e oito novos aperitivos nunca apresentados (1615). A essa altura, Cervantes já havia se mudado com a família para Madrid, para onde a corte real foi transferida. O seu mundo familiar também mudou. As suas irmãs Andrea e Magdalena morreram em 1609 e 1611 respectivamente, e a sua filha Isabel casou-se, ficou viúva e casou novamente.

 

Embora as suas obras literárias já tivessem grande circulação nessa época, Cervantes fracassou nas suas tentativas de entrar na corte e acompanhar o Conde de Lemos, Pedro Fernández de Castro y Andrade (1576-1622), recém-nomeado vice-rei de Nápoles. Nem mesmo nos seus últimos anos Miguel de Cervantes conseguiu escapar das dificuldades econômicas.

 

Esses últimos anos são os que estão mais bem documentados sobre a sua vida. Cervantes vivia retirado na sua casa, dedicado à oração e à literatura e mais próximo da sua mulher do que alguma vez tinha estado. No dia 19 desse mesmo mês, gravemente doente, dedicou ao Conde de Lemos o seu último livro, Los trabajos de Persiles y Sigismunda, tornando seus os versos: “Puesto ya el pie en el estribo, / con las ansias de la muerte, / gran señor, esta te escribo”.

  

A Morte de Miguel de Cervantes


Cervantes não estava destinado a ver o livro impresso. Em Abril de 1616, contraiu hidropisia, doença que afeta o ouvido interno do paciente, causando sintomas variados que vão desde tontura e vertigem a problemas relacionados à audição, como perda auditiva ou surdez.


Em 18 de abril de 1616, Miguel de Cervantes recebeu o sacramento da extrema unção; no dia seguinte escreveu a dedicatória de Persiles y Sigismunda ao Conde de Lemos — a mais comovente e galante das despedidas. Na dedicatória, escrita três dias antes de morrer, Cervantes, “com o pé já no estribo”, despediu-se comoventemente do mundo. Com a mente lúcida até o fim, ele parece ter alcançado uma serenidade final de espírito.


O prólogo ao Persiles foi o seu testamento literário. Miguel de Cervantes faleceu em Madrid, na Calle del León, quase certamente no dia 22 ou 23 de abril de 1616. Ele tinha 68 anos e era diabético. Foi retirado de sua casa com o rosto descoberto e o hábito franciscano, segundo a regra dos Terciários de São Francisco, e no dia 24 de abril foi sepultado na igreja anexa ao convento das religiosas trinitárias da Rua de Cantarranas.


A certidão de sepultamento indica que este último foi o dia em que foi sepultado, no convento dos Trinitários Descalços na rua de Cantarranas (hoje rua de Lope de Vega). O local exato não está marcado. Não se sabe que nenhum testamento tenha sobrevivido.


A história de seus restos mortais terem sido removidos para a Calle del Humilladero em 1633 não tem fundamento, mas a posição exata de seu túmulo é desconhecida. A falta de recursos obrigou os confrades da Venerável Ordem Terceira de São Francisco a pagar o funeral do escritor. Meses mais tarde, Catarina, sua viúva, geriu a publicação do Persiles.


No início de 1617, Persiles y Sigismunda foi publicado e teve oito edições em dois anos; mas o interesse por ele logo desapareceu e não foi reimpresso entre 1625 e 1719. A esposa de Cervantes morreu sem descendência em 31 de outubro de 1626; a sua filha natural, que sobreviveu ao filho do primeiro casamento e ao segundo marido, faleceu a 20 de setembro de 1652. Cervantes é representado apenas pelas suas obras.


Só os exemplares das Novelas lhe dariam o lugar de destaque entre os romancistas espanhóis; Dom Quixote dá-lhe o direito de figurar entre os maiores escritores de todos os tempos: “as crianças viram as folhas, os jovens leem, os homens adultos entendem, os velhos elogiam”. Sobreviveu a todas as mudanças de gosto literário e é ainda mais popular hoje do que há três séculos.



O Legado Literário de Miguel de Cervantes


A obra de Cervantes faz parte do legado literário universal e suas obras estão sendo estudadas e republicadas. Dom Quixote é, depois da Bíblia, o livro mais traduzido e editado da história, e tem sido amplamente estudado por intelectuais internacionais, como Vladimir Nabokov (1899-1977), Gyorgy Lukács (1885-1971) ou Jorge Luis Borges (1899-1986).


Miguel de Cervantes é considerado hoje o grande autor da cultura hispânica e o criador do romance moderno e do romance polifônico. O romance polifônico envolve uma multiplicidade de consciências, de personagens que dialogam entre si e com seu autor-criador. Já o romance monológico envolve uma só consciência, a consciência do autor, a que todas as demais consciências das personagens estão subordinadas.


Suas obras, de enorme originalidade, abrangem os gêneros poesia, romance e dramaturgia, e até crítica literária. Em particular, Miguel de Cervantes cultivou com sucesso o aperitivo, a comédia, o romance pastoral e outros gêneros da época.


Seu nome também acompanha o maior prêmio literário da língua espanhola, concedido anualmente pelo Ministério da Cultura e Esportes da Espanha desde 1976. Além disso, existem monumentos em sua homenagem em todo o mundo. É bastante comum que institutos, escolas, teatros, cinemas e outros espaços culturais levem seu nome. O dia da sua morte, 23 de abril, é comemorado como O Dia do Livro em quase todas as nações ocidentais.


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