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Gil Vicente - O Pai do Teatro Medieval Português

Atualizado: 25 de jul.



Relativa liberdade criativa na monarquia portuguesa


Gil Vicente, dramaturgo e poeta português, é considerado o representante maior da literatura renascentista de Portugal antes de Luis Camões. Também é conhecido como “Pai do Teatro Português” e a figura mais importante do Humanismo literário introduzido em Portugal a partir de 1385. Por falta de documentos, muitos fatos da sua vida são cercados de dúvidas, como o próprio local e ano de seu nascimento (Guimarães, em 1465). O dramaturgo e poeta tinha considerável formação intelectual. Estudou latim, espanhol, francês e italiano, mas, ao que parece, nunca frequentou uma universidade, embora conste que ele estudou na universidade espanhola de Salamanca.


Seus textos dramáticos foram escritos entre 1502 e 1536 e sua carreira bem-sucedida ocorreu durante os reinados de D. Manuel I (1469-1521) e de seu filho D. João III (1502-1557). Em 1502, sua peça Auto da Visitação foi encenada para a rainha Dona Maria e na presença do rei Dom Manuel durante a celebração do nascimento do príncipe que viria a ser o futuro D. João III. Além de autor da peça, baseada na adoração dos magos, ele também atuou como ator.


No monólogo, escrito em castelhano, um simples homem do campo expressa sua alegria pelo nascimento do herdeiro, desejando-lhe felicidades. O espetáculo entusiasmou a Corte e foi a porta de entrada para sua carreira que se estendeu por mais de 30 anos.


Apesar de a monarquia portuguesa estar muito atrelada à religiosidade, o autor se beneficiou de uma relativa liberdade criativa. A Inquisição, ou Santa Inquisição, também criada na Idade Média (século XIII), era dirigida pela Igreja Católica Romana e composta por um grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana cujo objetivo era combater a heresia, a blasfémia, a bruxaria e os costumes considerados desviantes e uma ameaça às doutrinas da Igreja.

O Tribunal do Santo Ofício foi instituído pelo Papa Gregório IX, em 1233, com o intuito de investigar as heresias dos cátaros, também chamados de albigenses. O pontífice entregou o funcionamento do Tribunal à Ordem Dominicana, criada por São Domingos. Como o Tribunal do Santo Ofício se estabeleceu em Portugal em 1536, algumas das peças de Gil Vicente foram censuradas somente em 1551, quinze anos após sua morte.



Características da Obra de Gil Vicente

O Humanismo ocorreu em um período histórico caracterizado pela transição entre a Idade Média e o Renascimento. Por isso, elementos medievais conviviam com ideias renascentistas e a coexistência de valores religiosos e clássicos influenciava os artistas da época.

Embora tenha vivido em pleno Renascimento, Gil Vicente não se deixou impregnar pelas concepções humanísticas. Por meio de suas peças, ele retratou os valores populares e cristãos da vida medieval. Seu teatro se caracteriza por ser primitivo e popular, embora tenha surgido no ambiente da corte, para servir de entretenimento nos serões oferecidos ao rei.


Profundo observador da realidade, Gil Vicente escrevia textos dramáticos para serem encenados em um palco, o que era uma novidade no teatro português. Também introduziu o uso de cenário nas apresentações. A linguagem ostentava certo coloquialismo para ser fiel aos personagens e retratar os diferentes modos de fala e as diferenças sociais. Para isso, ele misturava o popular, o arcaico, o moderno e o elitizado.


Sua obra é rica pela universalidade dos temas e pelo lirismo poético que soube colocar na arte, em plena atmosfera renascentista. Sua observação satírica não deixou ninguém de fora, papa, rei, clero, feiticeiras, alcoviteiras, moças casadoiras, judeus e agiotas.


O teatro Vicentino e a Tradição Teatral em Portugal


Gil Vicente fundou uma tradição teatral em Portugal, por isso é considerado o criador do teatro português. Tudo indica que Gil Vicente não se restringia apenas a escrever suas peças, mas também atuava nelas e dirigia os atores. Era, portanto, responsável por todas as etapas da montagem do espetáculo teatral. A temática religiosa marcante em sua obra agradava não só ao público em geral, mas, principalmente, ao rei D. Manuel I, bastante religioso, e à sua irmã Dona Leonor.



No mais, o Teatro Vicentino apresentava características condizentes com a corte portuguesa da época e continha uma forte crítica moral a determinados costumes ou atitudes que o dramaturgo verificava em sua época. Era sobretudo, um teatro moralizador, apesar de apresentar alguns elementos que incomodaram a Igreja depois de sua morte. Como a maior parte de suas peças tinha um teor satírico, uma das mais célebres frases do dramaturgo era: rindo se castigam os costumes.


As Três Fases da Carreira de Gil Vicente

Gil Vicente escreveu mais de quarenta peças, algumas em espanhol e muitas em português. Nelas, ele criticava de forma impiedosa toda a sociedade de seu tempo. O valor do Teatro Vicentino reside na sátira, muitas vezes agressiva, mas equilibrada pelo pensamento cristão. De acordo com o assunto abordado, sua obra pode ser classificada em três fases:


Primeira fase - 1502-1508 - com influência espanhola de Juan del Encina, Gil Vicente apresenta peças que possuem um conteúdo religioso:


1502 - Auto da Visitação

1502 - Auto Pastoril Castelhano

1503 - Auto dos Reis Magos

1504 - Auto de São Martinho

1505 - Quem tem Farelos?

1508 - Auto da Alma

Segunda fase - 1508-1516 - a sátira social apresenta ampla visão da sociedade da época, uma linguagem ferina em caráter mais pessoal. São dessa época as obras-primas:


1509 - Auto da Índia

1510 - Auto da Fé

1511 - Auto das Fadas

1511 ou 1513 - Auto da Sibila Cassandra

1512 - O velho da Horta

1513 - Exortação da Guerra

1514 - Comédia do Viúvo

1516 - Auto da Barca do Inferno

1516 - Auto da Fama



Terceira fase -1516-1536 - Gil Vicente atinge sua maturidade intelectual. Aparece, ao lado da crítica de costumes, atitudes moralizantes de caráter medieval. São dessa época as melhores obras teatrais da literatura portuguesa:


1518 - Auto da Barca do Purgatório

1519 - Auto da Barca da Glória

1521 - Comédia de Rubena

1521 - Cortes de Júpiter

1521 - Farsa das Ciganas

1522 - Tragicomédia de Dom Duardos

1522 - Pranto de Maria Parda

1523 - Auto Pastoril Português

1523 - Farsa de Inês Pereira

1524 - Frágua de Amor

1525 - Farsa do Juiz da Beira

1526 - Farsa do Templo de Apolo

1527 - Auto da Feira

1527 - Auto da História de Deus

1527 - Comédia Sobre a Divisa da Cidade de Coimbra

1527 - Auto da Nau dos Amores

1527 - Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela

1527 - Farsa dos Almocreves

1529 - Auto do Triunfo do Inverno

1529 - Farsa do Clérigo da Beira

1532 - Auto da Lusitânia

1533 - Auto de Amadis de Gaula

1533 - Romagem de Agravados

1534 - Auto de Mofina Mendes

1534 - Auto da Cananeia

1536 - Floresta de Enganos


Auto da Barca do Inferno

O Auto da Barca do Inferno ou Auto da Moralidade é uma obra de dramaturgia que foi escrita em 1517 pelo escritor humanista português Gil Vicente. Essa peça é uma das mais emblemáticas do dramaturgo. Foi encenada em 1531 e faz parte da Trilogia das Barcas, ao lado do Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória. Auto é um gênero que surgiu na Idade Média. São textos curtos de temática cômica e geralmente formados por um único ato.


Resumo e Análise da Obra de Gil Vicente

Os dois barqueiros, Anjo e o Diabo, recebem as almas dos passageiros que passam para o outro mundo. A cena acontece num porto. Um dos barcos vai em direção ao céu e outro ao inferno. A maioria dos personagens vai para a barca do inferno porque, durante suas vidas, não seguiram o caminho de Deus, foram trapaceiros, avarentos, interesseiros e grandes pecadores. Por seguirem os preceitos de Deus e viverem de maneira simples, Joane, o parvo, e os quatro cavaleiros, vão para a barca do céu.

A obra satiriza o juízo final do catolicismo, além da sociedade portuguesa do século XVI. A alegoria do juízo final é um recurso utilizado pelo dramaturgo por meio de seus personagens (diabo e anjo). Além disso, cada personagem possui uma simbologia associada à falsidade, ambição, corrupção, avareza, mentira, hipocrisia, etc.


Personagens e Seus Pecados


Diabo: capitão da barca do Inferno.

Anjo: capitão da barca do Céu.

Fidalgo: tirano e representante da nobreza. Teve uma vida voltada para o luxo e vai para o inferno.

Onzeneiro: homem ganancioso, agiota e usurário. Por ter sido um grande avarento em vida, vai para o inferno.

Joane, o parvo: personagem inocente que teve uma vida simples, vai para o céu.

Sapateiro: homem trabalhador, mas que roubou e enganou seus clientes. Também vai para o inferno.

Frade: apesar de ser um representante da Igreja, tinha uma amante, Florença, e não seguiu os princípios do catolicismo. Vai para o inferno.

Brígida Vaz: alcoviteira (que faz mexericos e intrigas). Condenada por bruxaria e prostituição, vai para o inferno.

Judeu: personagem que foi recusado pelo Diabo e pelo Anjo por não ser cristão. Vai para o inferno.

Corregedor e Procurador: representantes da lei, foram acusados de serem manipuladores e utilizarem das leis e da justiça para o bem e interesses pessoais. Ambos vão para o inferno.

Cavaleiros: grupo de quatro homens que lutaram para disseminar o cristianismo em vida. São absolvidos dos pecados que cometeram e vão para o céu.



A Vida de Gil Vicente

Gil Vicente nasceu, provavelmente, no ano de 1465, em Guimarães, Portugal. Há muitas incertezas acerca de sua biografia, devido à falta de documentação. No entanto, é sabido que ele teve dois matrimônios. A primeira esposa talvez se chamasse Branca Bezerra. Ela lhe deu dois filhos e faleceu em 1514. Três anos depois, o autor se casou com Melícia Rodrigues, com quem teve três filhos.


Na mesma época havia outro Gil Vicente, um ourives. Alguns estudiosos afirmam que, na verdade, os dois foram a mesma pessoa. Em 1509, se tornou ourives particular de Dona Leonor de Avis (1458-1525) e obteve a proteção da “rainha velha”. Por isso, o rei D. Manuel I, irmão de Dona Leonor, fez de Gil Vicente o responsável pelas comemorações da chegada a Lisboa de sua nova esposa, quando o monarca se casou pela terceira vez. Em 1511, foi nomeado vassalo do rei e, em 1513, Mestre da balança da Casa da Moeda.


Durante o governo de D. João III, o escritor recebeu do rei alguns benefícios em dinheiro. Ele tinha a proteção da Coroa Portuguesa, apoio às suas apresentações teatrais e apreço por elas. Gil Vicente, então, passou a ser um nome reconhecido. Nos anos seguintes, ele organizou diversos eventos, festejos e celebrações da realeza sempre aproveitando para apresentar seus textos. Com grande aprovação do público e da corte portuguesa, adquiriu o respeito dos seus contemporâneos e deixou obras que sobreviveram ao tempo e às críticas. Teve, portanto, uma vida bem-sucedida como dramaturgo. Gil Vicente aleceu por volta de 1536 em local desconhecido.

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