Corações e Mentes
Quando você pega um livro na estante e senta-se confortavelmente para desfrutar da leitura , ou mesmo quando baixa um e-book para ler no computador ou no celular, alguma motivação o levou a isso.
Talvez o que o tenha motivado a escolher determinado livro seja a necessidade de encontrar respostas a problemas políticos e sociais. Outra possibilidade pode ser o desejo de se envolver emocionalmente com a leitura e extrair dela prazer, alegria, raiva ou uma infinidade de sentimentos.
Pode ser também que você tenha escolhido o livro de um escritor que você admira, não só pela história em si, mas principalmente pela maneira que ele escreve, a qualidade de sua escrita o que torna suas obras sempre belas e com perfeição artística.
Quem sabe você queira adquirir novos conhecimentos, ou se aprofundar naquilo que você de alguma forma já conhece. Finalmente, você pode querer apenas relaxar, se entreter, curtir a sua “viagem” na história escolhida.
Caso você não tenha percebido, acabamos de passar pelas 5 funções da literatura. Aristóteles foi o primeiro pensador que discutiu sobre as funções da literatura em sua obra Poética, definindo as três funções dos textos literários: a cognitiva, a estética e a catártica. No contexto atual, diversos estudos incorporam outras funções da literatura, que você irá conhecer em detalhes logo abaixo.
As 5 Funções da Literatura
Função político-social | Realizar críticas sociais e políticas. |
Função catártica | Liberar emoções e sentimentos. |
Função estética | Gerar admiração pelo belo. |
Função cognitiva | Transmitir conhecimento. |
Função lúdica | Entreter, relaxar, envolver. |
1- Função Político-Social
Realizar críticas sociais e políticas - como o próprio nome diz, a obra literária que você está lendo pode estar descrevendo um retrato da realidade na qual o escritor está inserido. Ele pode descrever, criticar, ironizar ou satirizar os problemas encontrados na sociedade da qual ele faz parte.
Alguns chamam isso de literatura engajada. Nesse universo podem ser agrupadas questões como o racismo, a corrupção política, as guerras, os conflitos separatistas, o coronelismo, a seca e mais uma infinidade de acontecimentos político-sociais. Exemplos:
Morte e vida Severina – João Cabral de Melo Neto;
Germinal – Émile Zola;
Crime e castigo – Fiódor Dostoivéski;
Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis.
Trecho do poema Morte e Vida Severina, que foi musicado por Chico Buarque e encenado no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, na década de 1960.
O retirante Severino assiste ao enterro de um trabalhador de uma plantação de cana e ouve o que dizem os amigos do morto que o levaram ao cemitério.
Morte e Vida Severina
Essa cova em que estás, com palmos medida é a conta menor que tiraste da vida. É de bom tamanho, nem largo, nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida. | É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. Como antes em terra alheia. É uma cova grande para teu defunto parco, porém mais que no mundo te sentirás largo. |
2- Função Catártica
Liberar emoções e sentimentos - a palavra catarse (do grego catharse), significa purificação, purgação. Foi usada por Aristóteles ao afirmar que as tragédias (representações teatrais) purificam as emoções. Em literatura, catarse pode ser uma espécie de descarga emocional que provoca no leitor ou no escritor um certo alívio da tensão ou da ansiedade psicológica ou moral.
Quando você lê determinado livro, pode vivenciar situações emocionais extremamente fortes que provocam em você sentimentos de alegria, raiva, tristeza, solidão, revolta ou realização. Essa função predominante, é claro, será diferente de leitor para leitor. No caso do escritor, o ato de escrever pode se constituir em uma catarse, porque muitas vezes, ele escreve para desabafar, pôr para fora suas tensões e sublimar suas frustrações.
Ao vivenciar as emoções e tensões transmitidas pelos personagens das narrativas, o leitor ou o escritor estaria descarregando suas próprias tensões, medos, frustrações para assim se libertar dessas emoções negativas.
A música Como Nossos Pais, que fala sobre o conflito de gerações acentuado pela repressão da ditadura militar, foi composta na década de 1970 por Belchior, e imortalizada na voz da cantora Elis Regina. A canção foi lançada no álbum Alucinação, tornou-se um dos maiores clássicos da música popular brasileira e aparece na revista Rolling Stones entre as 100 melhores músicas brasileiras da história.
Como nossos pais
Não quero lhe falar, meu grande amor de coisas que aprendi nos discos. Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo.
Viver é melhor que sonhar. Eu sei que o amor é uma coisa boa, mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa.
Por isso cuidado meu bem Há perigo na esquina. Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens.
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua é que se fez o seu abraço, o seu lábio e a sua voz. | Você me pergunta pela minha paixão digo que estou encantada como uma nova invenção. Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão pois vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação. Eu sinto tudo na ferida do meu coração.
Já faz tempo eu vi você na rua. cabelo ao vento, gente nova reunida. Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais. Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pai. |
Belchior usou a palavra “incômodo” para descrever a sensação trazida pela canção. Ele descrevia Como Nossos Pais como uma música amarga, uma crítica à inércia da juventude, que se acomodou quando não devia e parou de questionar.
3- Função Estética
Gerar admiração pelo belo - o principal objetivo é provocar admiração no leitor devido à perfeição artística com que o autor trabalha o texto. Você percebe e valoriza a beleza da obra e isso também lhe dá prazer. Poetas parnasianos buscavam sempre o belo. Eles “construíam” um poema como o escultor esculpe o mármore até ter sua estátua perfeitamente acabada.
Olavo Bilac – é um poeta parnasiano, devido à habilidade de compor poemas com rima, ritmo e métrica perfeitos. No poema Arte Poética, ele compara o trabalho do poeta ao artesanato de um ourives na produção de uma joia.
Arte Poética
"Não abuses do verso. ... A lira é santa. Há de ser um harpejo extraordinário, Alado e casto como um relicário, Que de nardos o espírito perfuma. | Volve o buril à lenta e grave lima; Seja teu verso como um punhal fino: Coruscante, encantado, e que de prima Transpasse o coração como um destino!" |
Guimarães Rosa – 3ª geração do Modernismo: devido à capacidade de criar um vocabulário e realidade únicos para suas obras. Considerado o maior escritor brasileiro do século XX, ele praticamente “reinventou” a língua portuguesa. Guimarães construiu novos vocábulos que liberam a língua de sua função meramente utilitária, recuperando a linguagem poética.
Sua literatura é uma fusão de arcaísmos, cultura popular e mundo erudito. Na sua obra aparecem principalmente as localidades rurais e seus universos de pobreza, sempre periféricas ao mundo do capital e da divisão do trabalho.
Neste trecho do livro Manuelzão e Miguilim você pode observar características das funções político social e estética. O título do livro refere-se a duas pessoas, Manuel (um adulto) e Miguilim (uma criança). Manuelzão é o apelido de Manuel e Miguilim é o apelido de Miguel. Traduzir o texto de Guimarães Rosa não é fácil pois ele cria palavras a partir da linguagem do povo humilde do interior Brasil.
"Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d'Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutúm. No meio dos Campos Gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos. Quando completara sete, havia saído dali, pela primeira vez: o Tio Terêz levou-o a cavalo, à frente da sela, para ser crismado no Sucuriju, por onde o bispo passava. Da viagem, que durou dias, ele guardara aturdidas lembranças, embaraçadas em sua cabecinha. De uma, nunca pôde se esquecer: alguém, que já estivera no Mutúm, tinha dito: ― "É um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre..." Mas sua mãe, que era linda e com cabelos pretos e compridos, se doía de tristeza de ter de viver ali. Queixava-se, principalmente nos demorados meses chuvosos, quando carregava o tempo, tudo tão sozinho, tão escuro, o ar ali era mais escuro; ou, mesmo na estiagem, qualquer dia, de tardinha, na hora do sol entrar. — "Oê, ah, o triste recanto..." — ela exclamava. |
4- Função Cognitiva
Transmitir conhecimento - o principal objetivo é a aquisição do conhecimento. O escritor tem uma percepção pessoal da realidade que o rodeia e produz textos que comunicam esse conhecimento ou percepção, onde sentimento e razão se fundem. A obra literária, assim, exprime esse seu conhecimento intuitivo e estético a respeito da realidade na qual ele vive.
No poema Dois e dois: quatro, o poeta Ferreira Gullar revela seu conhecimento sobre a vida, que apesar de expressar uma percepção bem pessoal, acaba apresentando aquilo que a maioria das pessoas percebem na própria vida.
Dois e dois: quatro
Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena.
Como teus olhos são claros E a tua pele, morena Como é azul o oceano E a lagoa, serena. | Como um tempo de alegria Por trás do terror me acena E a noite carrega o dia No seu colo de açucena.
Sei que dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Mesmo que o pão seja caro E a liberdade pequena. |
5- Função Lúdica
Entreter, relaxar e envolver - a literatura pode ter também a função mais básica de simplesmente entreter o leitor, ou seja, divertir e proporcionar algum tipo de prazer, como relaxamento e diversão. Na realidade, o leitor sempre está em busca de textos literários que possam envolvê-lo, ou seja, “prendê-lo” na leitura.
Luis Fernando Veríssimo escreveu uma série de livros que abordam o cotidiano das pessoas em situações as mais bizarras com muito humor e profundidade. É justamente o humor que envolve o leitor numa atmosfera relaxante e prazerosa. Um desses livros é As mentiras que os homens contam. Ele também escreveu As mentiras que as mulheres contam.
"Quantas vezes você mente por dia? Calma, não precisa responder agora. Também não é sempre que você conta uma mentira, só de vez em quando. Na verdade, quando você mente, é porque precisa. Para proteger o outro e, de preferência, a outra. Foi assim com a mãe, a namorada, a mulher, a sogra. Tudo pelo bom convívio social, pela harmonia dentro de casa, para uma noite mais agradável com os amigos. Você só mente, no fundo, para poupar as pessoas e, sobretudo, para o bem das mulheres". |
Observador bem-humorado do cotidiano brasileiro, ele reúne em As mentiras que os homens contam um repertório divertido de histórias tão indispensáveis que, de repente, viram até verdades. Depende de quem ouve. Depende de quem conta ֎
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